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quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

CAFUNDÓ

Começo esse post aconselhando os leitores que, antes de assistirem Cafundó, livrem-se de todos os seus preconceitos e filtros artísticos ou estéticos e deixem-se envolver pela história da vida de João de Camargo, vivido intensamente por Lázaro Ramos.

João de Camargo, para quem não conhece (eu não conhecia, visto que sou leigo em religiões afro-brasileiras), foi o fundador da Igreja do Bom Jesus do Bonfim das Águas Vermelhas. Ex-escravo, liberto pela Lei Áurea, trabalhou como militar, cozinheiro, trabalhador de lavoura, casou, foi chifrado, discriminado muitas vezes pela sua cor, perdeu a mãe na peste, comeu o pão que o diabo amassou, até que, num sonho, decide abdicar-se dos dogmas tradicionais (tanto brancos como negros) e criar o seu próprio, "fundado na água, na pedra, e na verdade". Passou a ser conhecido como Pai João ou Nhô João, santo popular, milagreiro e preto-velho.

O filme de Paulo Betti e Clovis Bueno começa, na minha modesta opinião, fraco e confuso. Eu explico a minha sensação. Os minutos iniciais são preciosos para envolver um espectador na trama que irá acompanhar pela próxima hora e meia. Mas em Cafundó eles não foram muito bem aproveitados tanto pelo roteiro como pela direção. Parece haver uma preocupação, por parte de seus criadores, em situar o espectador no período histórico, tentando retratar com alguma fidelidade o que estava acontecendo com o Brasil durante as primeiras décadas de vida de João. O problema é que muita coisa aconteceu naquela época e há pouco tempo de filme para tratar desse assunto, já que o que interessa mesmo é a biografia de João de Camargo. O resultado é uma série de saltos no tempo e cenas pouco críveis com dramaturgia rasa e didática. Por exemplo: Rosário, chegando em Sorocaba junto com João, pergunta indignada "Que desgraça é essa?" Um transeunte, total desconhecido da trama e de seus protagonistas, entra em cena e responde "É a peste. Todo dia leva um." Pode ser uma questão boba de gosto pessoal mas, a meu ver, é o tipo de cena em que uma boa imagem valeria mais que mil palavras.

Lá pelos 40-50 minutos de filme o diretor parece acertar a mão (ou somos nós que nos acostumamos a seu ritmo) focando a atenção no próprio João de Camargo e sua transformação espiritual. Destaco aqui a participação sublime de Flávio Bauraqui, como Exu, e sua química com Lázaro Ramos (eles já haviam trabalhado juntos no genial "Madame Satã"), numa cena que me fez lembrar da tentação de Cristo no deserto:



A partir daí, seguem cenas de uma teatralidade belíssima que nos fazem ter vontade de assistir tudo isso ao vivo, seja num palco ou numa encenação de rua. (Realmente ficaria linda uma montagem teatral de rua de Cafundó!) A paixão de Paulo Betti pelo projeto é presente e intensa em todo o filme (o ator/diretor chega a fazer três pontas) e isso, aliado ao belo trabalho de Lázaro Ramos, contribui positivamente para o sucesso da trama e de seu personagem, fazendo de Cafundó um filme que deve simplesmente ser visto, e não analisado. Perdoem-me.

CAFUNDÓ
(Cafundó)

Lançamento: 2005 (Brasil)
Direção: Paulo Betti e Clovis Bueno
Elenco: Lázaro Ramos, Leona Cavalli, Luís Melo, Flávio Bauraqui, Francisco Cuoco, Leandro Firmino e Milhem Cortaz
Gênero: Drama

SINOPSE:
João de Camargo viveu nas senzalas em pleno século 19. Após deixar de ser escravo, ele fica deslumbrado com o mundo em transformação ao seu redor e desesperado para viver nele. O choque é tanto que faz com que João tenha alucinações, acreditando ser capaz de ver Deus. Misturando suas raízes negras com a glória da civilização judaico-cristã, João passa a acreditar que seja capaz de curar e realmente acaba curando. Ele torna-se então uma das lendas brasileiras, popularizando-se como o Preto Velho.


Trailer de Cafundó (2005)


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